quinta-feira, 25 de abril de 2013

varal

Van Gogh

Ele disse em alto e bom som: aqui, não fico mais! Fica com toda essa tralha, essa mobília de revista, que não é minha, nada é meu! Nem adeus eu digo, que fique claro. Os que ali ficaram, na penumbra cheirando a pó e a mogno, abriram as cortinas, com seus dedos gélidos e cutículas expostas, e viram alguma coisa latejando no ar, no peito, espasmos, na janela, reflexos do sol e dos olhos, onde nadavam roupas ocas de criança. Máquina de lavar alma suja transborda e não enxuga, entenda. Centri-fuga do que já não é, bicho-parafuso não tem fome, enxerga. Ele estava partindo, podia-se ver. Fugindo, não. A passos lentos, braços balançando naturalmente, cabelo por cortar ao vento. Que entrava, impassível, pelas frestas da casa, mas por aquela janela, não. Mãos para todos os lados tentando agarrarem-se a algo, mas nada havia ali. Ninguém sabia gritar, o estrondo era silencioso. No peito, piano. No entanto, as bocas estavam semi-abertas, mornas. Câmera lenta ali, onde o vento dançava clandestino. Enquanto o homem seguia na não velocidade do agora. Os movimentos deles, entre o branco e o preto, não tinham autonomia, nem vontade, ficar flutuando em espiral, o destino. Jogados, feito bitucas de cigarro - já apagadas, a diversas direções, esbarrando em porta-retratos felizes e burros, eles ainda podiam ver, depois da cortina, o homem virando, cálido, a esquina. Já a distâncias, todos ouviam, ainda calados, ele assoviando.
 Distâncias que há muito já havia.