quarta-feira, 29 de maio de 2013

folha de pedra velha

tire os sapatos, atire os fatos - contra a parede
quebre-se em incontáveis pedaços
até de ti sobrar o bagaço
e dele se mastigue
até a última gota
do teu sumo - mate tua sede
de ti mesmo
e do teu outro - mastigado
veja o reflexo - também é você
beba o quebrado - que te soma
sobre teus ombros
da tua doença amadureça tua cura
destrua tua cara, esparrame nela t'alma
soberba pura e nua
e puta
não há espelhos
embriagados
para te julgar
os cacos que fazem sangrar
a verdade
nos pés descalços

segunda-feira, 27 de maio de 2013

a, r

ar
a reta é perigosa
subentende-se a curva. 
a seta que não indica.
um tobogã que leva à lama.
a pele que não sua, 
nem minha.
o suor que lava a alma
que arrepia. 
toda apneia termina em grito,
e principia.
a respiração é só uma ideia

que asfixia.
r
r
r

sábado, 18 de maio de 2013


quarta-feira, 8 de maio de 2013

- Tudo bobagem, Ale! Amanhã eles já esqueceram, é sempre assim. Vocês vão beber e sair e rir juntos, mas amanhã, escuta o que eu tô lhe falando, quando você tropeçar de novo eles vão ter olhos distantes e risos murchos. E, o pior, às vezes, quem coloca o pezinho ou a perna inteira, são eles mesmos. Você viu? Os sinais vermelhos, as filas nos bares, o frio por baixo da sua jaqueta de couro. Mas relaxa, é assim mesmo. Tá todo mundo estrábico, e dizem que é divertido. Releva pra não criar confusão com gente pouca. Essa gente que você convive todos os dias, converte isso tudo em caminho. E é importante cair uns tombos também. O mais importante são as cicatrizes, isso é verdade. Eu acho que dá um ar de força, coragem pra pessoa, sabe? Tô um pouco de saco cheio com tudo isso. Além do mais, você tem seus amigos de verdade, Ale. Tá certo que eles estão longe, mas isso já é amor. Você tem a lembrança dos cabelos da sua menina voando na janela do carro, você ainda lembra da sua risada e do seu olhar de lado. Cara, acho que nunca mais como miojo e amendoim junto, não tô passando bem, sério. Mas enfim, o que é que deu com ela? Você, também, vou lhe contar. Faz cada cagada. Aposto que fugiu quando ela chorou pela primeira vez. Quase 4 anos e essa coisa esquisita que não foi nem ficou, qualquer dia vocês se esbarram em algum lugar, tô falando. O único contato possível é o mundo. Ela já não deve ter o mesmo número, já não mora mais na mesma cidade, já não se pergunta por você, será que o reconheceria tão mais gordo? Será que ela ainda tem as mesma pernas? Será que ela tem raiva ou vai amolecer quando o ver? Eu não sei, eu sinto que ficou uma coisa muito forte ai, só lhe falta coragem. Em relação a essas pessoas vazias que têm o machucado e disfarçado, não deixa isso morar pesado em você, não, sempre há uma salvação. Esses seus livros, cara, são fodas. Abre a janela desse quarto às vezes. Não se apega a coisa morta. Não se apague com ar sujo. Na verdade, eu não acredito mais em salvação. Mas você deve acreditar, você é tão bom. E por isso, sofre tanto. Eu tenho vontade de o tirar daqui e o proteger, mas a morte é única proteção que eu conheço. Desconheço também. Esses fatos não são tão desconexos quanto parecem. Agem cabalisticamente em você, e aí, paralisam-o. Só os seus olhos se movimentam, não bate, nem pulsa, nem vibra, nem digere mais nada ai, nesse seu eu! Mas cê tem a ver com isso, vê. Hoje eu fui a uma exposição de um artista muito foda, e na descrição de um dos quadros dizia alguma coisa assim: quem vive o mistério é porque deixou o cérebro comandar. Eu levei um susto, a princípio, senti-me até um pouco ofendido. E essa massa gorda e pesada e dilacerada aqui no lado esquerdo? Que mistério há na razão? Mas há alguma verdade que ofende. Não digo que há uma verdade absoluta, que saco isso. Ter que ficar me explicando, me não definindo. Coração é a realidade, por isso dói. Não consigo me perdoar por não sentir culpa pela morte do meu pai. Acho que foi o momento mais grave da minha vida, sua morte. O tom mais alto de um tombo baixo. Nem me machuquei. E tocava alguma música. Você se assusta, mas me entende? Não tenho culpa por esse não mais sentir. No lugar da culpa, sinto alguma palpitação dolorida diante da vida. Um susto. Uma criança diante de um quadro satânico. Caralho, essa chuva não para nessa porra de cidade. Preciso ir embora. Também dessa cidade. E eu usando chinelo ainda, vou voltar com a perna nojenta do vomito dessas poças dessas calçadas frouxas. Eu ainda guardo o travesseiro. Durmo com ele, na verdade. Não há remorso, só assim consegui dormir. Depois de 29 anos de vida, ou vala. Minha barriga ainda tá doendo. Tem algum chá ai? Levanta essa cara! Ninguém vai o tornar um merda por causa de algumas palavras grosseiras e ofensas ignorantes. A minha mãe tá ficando louca, cara. Ela não consegue me olhar, inclinou o rosto diante do chão para sempre. Tenho medo, ela esta curva demais. Já tinha problema na coluna, gastou tudo o que tinha numa cirurgia sei lá do que. Lembro do seu medo de morrer, tadinha. E eu, que já estava morto aquela época, tinha mais medo de viver. Não sei, acho que no começo ela ouviu os gemidos abafados dele, mas eu fui pressionando cada vez mais forte até ele não ter ar nem fôlego para tal. Eu fico imaginando essa cena: ela deitada para o outro lado com os olhos estalados, assustada, ouvindo e entendendo o que estava acontecendo. Ela não poderia fazer nada. Mas o sofrimento não exige muito, não é?