"Nosso povo não conhece a juventude e mal desfrutamos de uma infância curta. De tempos em tempos surgem exigências segundo as quais devemos assegurar às crianças uma liberdade especial, uma proteção especial, o direito a um pouco de imprudência, um pouco de travessura, um pouco de diversão, esses direitos devem ser reconhecidos e incentivados; as exigências surgem e quase todo mundo as aprova, não existe nada que merecesse maior aprovação, mas também não existe nada que seja menos concebido em nossa vida, aprovamos as exigências, empenhamo-nos em cumpri-las, mas logo tudo volta a ser como era. Vivemos de tal modo que uma criança, assim que é capaz de correr um pouco e distinguir o ambiente a seu redor, precisa tomar conta de si como um adulto; as regiões nas quais, por motivos econômicos, precisamos viver espalhados, são extensas demais, nossos inimigos são muitos, os perigos que nos expreitam a cada canto, inúmeros - não temos como proteger as crianças da luta pela existência, se o fizéssemos, seria este o seu fim prematuro. Em meio a essas razões trágicas desponta uma outra, sublime: a fertilidade da nossa espécie. As gerações - e todas elas são numerosas - atropelam-se umas às outras, as crianças nao têm tempo de ser criança. Embora outros povos tratem as crianças com todo o cuidado, embora construam escolas para os pequenos, embora as escolas recebam, diarimente, uma enxurrada de crianças - o futuro do povo -, ainda assim são sempre as mesmas crianças que, por um longo tempo, dia após dia, saem de lá. Nós não temos escolas, mas exércitos de crianças, piando ou chiando alegres enquanto não conseguem assobiar, cambaleando ou rolando com a força do impulso enquanto não conseguem correr, arrastando consigo o que estiver pelo caminho enquanto não conseguem enxergar, nossas crianças! E ao contrário do que se vê nas escolas, não são as mesmas crianças, não, são sempre, sempre outras, sem fim, sem interrupção, mal surge uma criança e ela já deixa de ser criança, mas logo atrás dele espremem-se os rostos das novas crianças, indistinguíveis na multidão e na pressa, com as faces coradas de alegria. Sem dúvida, por mais bonito que isso tudo possa ser e por mais que outros com razão possam nos invejar, não temos como proporcionar uma infância legítima às nossas crianças. E isso tem consequências. Uma certa infantilidade perene, invencível caracteriza o nosso povo; em franca contradição ao que de melhor temos, ao nosso juízo prático infalível, às vezes somos acomedidos por uma estupidez total e absoluta, a bem dizer, a mesma estupidez inconsequente, extravagante, orgulhosa e leviana que se observa nas crianças, tudo isso em nome de uma pequena diversão. E se nossa alegria naturalmente já não se manifesta com todo o ímpeto da alegria infantil, é certo que ao menos algum resquício desta ainda sobrevive."
Retirado do livro ''Um artista da fome", Kafka.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Pó e pé no asfalto - cada filho nascendo é um coração que é uma boca gritando
Nossas conversas são os espaços entre as palavras não ditas, são versos ditos com o peito descompassado, são os verbos sentidos com os olhos fechados. São insanos, insones. Um céu azul e um pássaro voando enquanto seu bico atinge meu coração. O vento sopra forte nos meus cabelos, você sussurra algo que eu não entendo. Meus olhos estão molhados e a chuva molha meus pés. Grito calado meu peitogritandoquerovomitar -quero voz e ar. Abro a boca e o som não sai, fecho os olhos e o sol se vai. E meu coração é uma boca gritando muda. Olho para a janela para ver se há céu, mas pássaro atinge o vidro, e tudo são cacos, vácuos, ecos, ocos, gritos e uma mão invisível para calar.
Com os pés molhados, caminho no asfalto 40°, respiro fundo, com a boca prateada de fita adesiva tssssssss a cada passo e fumacinhas calefacientes, furinhos na bochecha sorridente, irônica.
Chego ao sertão de solos rachados – os quais se identificam com o meu semcor-ação- com cara de fome interior, retiro a pele da sola queimada, admiro os calos com a boca calada, como-a e sigo como uma retirante dos solos queimados com a carne viva em contato com a morte. (É meu sangue alimentando meu caminho hemofílico de diálogos interiores e de dias inferiores ao sol que cega, à solidão que seca.)
É a minha conversa lado a lado com meu un-inverso, com meus multiversos mutilados sem teto e chão, sem nexo e são. São exclamações, não há palavras, são interrogações, e você sempre coloca vírgulas em baixo dos meus pontos finais; como quem diz: você pode continuar, ainda que podre, há carne nos pés para você queimar, ainda há sangue para você marcar seu caminho! – eu que nunca quis deixar rastros. E quando insisto com outro ponto final (vital), você acha mais dois. Então, são reticências me dizendo que há algo mais. Algo são coisinterrogações. Destruo-as e transformo-as em exclamações (sustos) – estas que habitam meu peito, o qual não pode gritar
?!:...
Não há palavras. São gestos versos de vida e morte. Sigo na esperança no ponto vit-fin-al
Signum.
Então, sou trapos e tripas com o sol na cara. São vertigens e oásis imaginários. Sou carne viva dura queimada com o céu na alma e abaixo dos pés. É meu universo invertido vertendo da nascente o verso que nasce da, o verso que nasce e, o verso placenta ah! E escorre no turbilhão das águas para alcançar a foz, a voz, a vez.
Nos passos de pós, no passado de pés, agora são joelhos e articulações, bacia, vísceras, um último suspiro, pulmões. Olhos fechados e vejo o que esta implícito. Tudo consumido no asfalto consumado. A terra estremece surda, todos os vidros quebram, pois finalmente há som, mesmo que não haja ouvidos. O cristal permanece intacto.
Resta um coração gritando na terra úmida de sangue
E nasce uma flor amarela
E não tem fim
A minha conversa com versos sem fim
Com meu multiverso de universos, enfim
São filhos nascendo (ele gritam!) para me libertar
Vomito minha cabeça, peito e estômago
Vôo leve como um saco plástico no asfalto
Com os pés molhados, caminho no asfalto 40°, respiro fundo, com a boca prateada de fita adesiva tssssssss a cada passo e fumacinhas calefacientes, furinhos na bochecha sorridente, irônica.
Chego ao sertão de solos rachados – os quais se identificam com o meu semcor-ação- com cara de fome interior, retiro a pele da sola queimada, admiro os calos com a boca calada, como-a e sigo como uma retirante dos solos queimados com a carne viva em contato com a morte. (É meu sangue alimentando meu caminho hemofílico de diálogos interiores e de dias inferiores ao sol que cega, à solidão que seca.)
É a minha conversa lado a lado com meu un-inverso, com meus multiversos mutilados sem teto e chão, sem nexo e são. São exclamações, não há palavras, são interrogações, e você sempre coloca vírgulas em baixo dos meus pontos finais; como quem diz: você pode continuar, ainda que podre, há carne nos pés para você queimar, ainda há sangue para você marcar seu caminho! – eu que nunca quis deixar rastros. E quando insisto com outro ponto final (vital), você acha mais dois. Então, são reticências me dizendo que há algo mais. Algo são coisinterrogações. Destruo-as e transformo-as em exclamações (sustos) – estas que habitam meu peito, o qual não pode gritar
?!:...
Não há palavras. São gestos versos de vida e morte. Sigo na esperança no ponto vit-fin-al
Signum.
Então, sou trapos e tripas com o sol na cara. São vertigens e oásis imaginários. Sou carne viva dura queimada com o céu na alma e abaixo dos pés. É meu universo invertido vertendo da nascente o verso que nasce da, o verso que nasce e, o verso placenta ah! E escorre no turbilhão das águas para alcançar a foz, a voz, a vez.
Nos passos de pós, no passado de pés, agora são joelhos e articulações, bacia, vísceras, um último suspiro, pulmões. Olhos fechados e vejo o que esta implícito. Tudo consumido no asfalto consumado. A terra estremece surda, todos os vidros quebram, pois finalmente há som, mesmo que não haja ouvidos. O cristal permanece intacto.
Resta um coração gritando na terra úmida de sangue
E nasce uma flor amarela
E não tem fim
A minha conversa com versos sem fim
Com meu multiverso de universos, enfim
São filhos nascendo (ele gritam!) para me libertar
Vomito minha cabeça, peito e estômago
Vôo leve como um saco plástico no asfalto
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