quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Pó e pé no asfalto - cada filho nascendo é um coração que é uma boca gritando


Nossas conversas são os espaços entre as palavras não ditas, são versos ditos com o peito descompassado, são os verbos sentidos com os olhos fechados. São insanos, insones. Um céu azul e um pássaro voando enquanto seu bico atinge meu coração. O vento sopra forte nos meus cabelos, você sussurra algo que eu não entendo. Meus olhos estão molhados e a chuva molha meus pés. Grito calado meu peitogritandoquerovomitar -quero voz e ar. Abro a boca e o som não sai, fecho os olhos e o sol se vai. E meu coração é uma boca gritando muda. Olho para a janela para ver se há céu, mas pássaro atinge o vidro, e tudo são cacos, vácuos, ecos, ocos, gritos e uma mão invisível para calar.
Com os pés molhados, caminho no asfalto 40°, respiro fundo, com a boca prateada de fita adesiva tssssssss a cada passo e fumacinhas calefacientes, furinhos na bochecha sorridente, irônica.
Chego ao sertão de solos rachados – os quais se identificam com o meu semcor-ação- com cara de fome interior, retiro a pele da sola queimada, admiro os calos com a boca calada, como-a e sigo como uma retirante dos solos queimados com a carne viva em contato com a morte. (É meu sangue alimentando meu caminho hemofílico de diálogos interiores e de dias inferiores ao sol que cega, à solidão que seca.)
É a minha conversa lado a lado com meu un-inverso, com meus multiversos mutilados sem teto e chão, sem nexo e são. São exclamações, não há palavras, são interrogações, e você sempre coloca vírgulas em baixo dos meus pontos finais; como quem diz: você pode continuar, ainda que podre, há carne nos pés para você queimar, ainda há sangue para você marcar seu caminho! – eu que nunca quis deixar rastros. E quando insisto com outro ponto final (vital), você acha mais dois. Então, são reticências me dizendo que há algo mais. Algo são coisinterrogações. Destruo-as e transformo-as em exclamações (sustos) – estas que habitam meu peito, o qual não pode gritar
?!:...
Não há palavras. São gestos versos de vida e morte. Sigo na esperança no ponto vit-fin-al
Signum.
Então, sou trapos e tripas com o sol na cara. São vertigens e oásis imaginários. Sou carne viva dura queimada com o céu na alma e abaixo dos pés. É meu universo invertido vertendo da nascente o verso que nasce da, o verso que nasce e, o verso placenta ah! E escorre no turbilhão das águas para alcançar a foz, a voz, a vez.
Nos passos de pós, no passado de pés, agora são joelhos e articulações, bacia, vísceras, um último suspiro, pulmões. Olhos fechados e vejo o que esta implícito. Tudo consumido no asfalto consumado. A terra estremece surda, todos os vidros quebram, pois finalmente há som, mesmo que não haja ouvidos. O cristal permanece intacto.
Resta um coração gritando na terra úmida de sangue

E nasce uma flor amarela

E não tem fim

A minha conversa com versos sem fim

Com meu multiverso de universos, enfim

São filhos nascendo (ele gritam!) para me libertar

Vomito minha cabeça, peito e estômago

Vôo leve como um saco plástico no asfalto