segunda-feira, 11 de julho de 2011

Detalhes dos seus retalhos - Parte I



Formigas nos calcanhares

................. Nem sei o porquê, hoje é um dia tão normal. Sentei no canto da cama, olhei pela fresta da janela, nem chuva nem sol. Mas lembrei de você. Pra variar. Lembrei-me de você, que eu não conheço. Mas me conhece tão bem, tão lindamente. Cheio de poesia. Cheiro de mar. Tem um matinho no seu cabelo! Você, às vezes, esquece-me. Eu sinto tanto frio. Mas me engano. É minha distração. Você sempre está. Meus pés estão formigando. Às vezes, quando você ta feliz demais, sua voz desafina. Eu costumo não me acostumar com sua presença silenciosa. Sei que é bobagem, então giro para o outro lado. Consigo dormir. O colchão afunda - não consigo me livrar daquilo. Só você sabe. Mas não me conta. Nem insisto. Acho que é aquele negocio de respeitar o outro. Mas você é tão eu mesma que sou o outro. Apago a luz, pois a parede tem cor. Desligo-me e consigo ouvir o que o silencio me diz. É muito bonito, tenho vontade de contar no seu ouvido. Então, dançaríamos. Seu cabelo cheira goma de mascar com hortelã.



Tornozelos molhados

..................Distraio-me como flor. Lá fora o homem corta a grama. Lá fora a mulher separa o lixo. Lá fora a criança gira. Lá dentro de mim tem um passarinho. Seu sorriso faz mais covinhas de um lado. Olho em baixo da cama. Tenho esperança de achar uma pista. Eu, que ignorei o grilo verde. Era de plástico. Não gosto. Não achei uma pista, mas sai correndo com os pés no chão para o ver voar. Ando tão perdida, não sei o que fazer. Tenho medo. Mas você sempre tem uma lanterna na bagagem. Dividimos o peso e tombamos na grama. Rimos. Olha, você tem uma pintinha no tornozelo! Posso chover, eu nem ligo. A linha ta ocupada, posso ver o sol. Você me o é. Por favor, não me despreze justamente por eu ter confessado. Isso é tão comum e tão duro e louco. Tão amarelo.

A hora da cor

......................Então, eu pergunto-lhe que horas são. Então, seus olhos me olham parecendo uma oração. Sua prece é para que eu não solte os balões. Para que eu fure não os pulmões. Para que eu encontre as soluções para os problemas que eu inventar. Sua prece é para que eu sempre invente. E tente. O tempo não importa, e o vento vai soprar por entre suas persianas. Você sempre me faz abrir as cortinas para ver. O meu templo é o que pulsa. Eu o vejo. Consigo sentir o gosto das suas cores livres no ar. Quando lembro, eu sorrio.

Primavera e alguns mistérios

....................Você disse pra não ter vergonha e contar sobre quando fugi para sentir a grama e o ar. Eu estava tão morta, só você que me vive sabe. Lignificada, pediu-me e eu não me esqueci de não esquecer a palavra. Coloquei uma roupa com a qual eu pudesse respirar. Caminhei até a praça. Sentei no verde. Fechei os olhos lentamente, meu cabelo começou a balançar. Meus olhos molhados de sentir cada célula morta. Eu, que estava lignificada, reaprendi a sentir a vida em mim. Chorei, acho que de felicidade, ao ver as crianças dando seus passos de iniciantes e brincando com as pedrinhas do chão. Uma vontade imensa de dizê-las que as amava. Eu amo o que vive! E se o sol ardia nos meus olhos, eu não me importava, agradecia. Encarava-o de frente, queria toda sua luz. Só agradecia. Deusdocéu. Eu era toda gratidão. Era primavera, enfim.

Mergulho eterno

................Sua mão tem um jeito incrivelmente, magicamente meigo de tirar os fiapos de cabelo que caem levemente sobre os olhos. É quase um balé. Também sou bailarina quando danço na varanda da casa de uma vó. Flores em pequenos vasos, bolo de milho quente e aroma de café. Muitas histórias, uma senhora só. Um livro grosso pra não perder a fé. Uma cadeira que balança. Um rio nos fundos pra eu nadar. Nunca somos os mesmos. A vida balança e eu mergulho. Você tem a toalha nos ombros.

Nenhum comentário: