terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Levei uma pena na bagagem e me voei




À minha irmãlma e amiga,
..............................................Jz.


Eu o comprei. Apesar da pré-visão que proporcionou, além de aos meus olhos, ao meu estômago. Não sou lógica, apesar da massa encefálica gorda. Ele tinha cara de vômito, gases e cólica intestinal. Emagrece. Sanduíche de atum de rodoviária é a vida, às vezes, quando eu sou o beco, a lata de lixo enferrujada, o resto da carne de um animal que ninguém quis mastigar misturada com farofa e maionese fermentada e beronhas. Eu paguei por isto. Para sentir suas asinhas agonizantes dentro de mim junto com o que apodrece e sobe a garganta e não sai pela boca. Mas aprisiona-se nos olhos. E eu nunca estive cega. Eu sempre fui. Estou indo,

Eu estou no caminho certo? É só seguir até o batalhão e seguir à esquerda. Obrigada, nunca quis ser direita e vou lutar. Eu vou até lá com você. Eu mordi duas vezes a minha língua, desculpe o jeito que eu falo, é o bruxismo. Você não é daqui? Eu babo à noite. Sou de lá. Também morei lá. Cheguei há pouco. O que você faz? Vou começar medicina. Eu já fiz medicina também. Mas eu vomitava muito. Vomitei um mês inteiro. Emagreci. Ai, fui para os Estados Unidos e me formei em Direito na Flórida. Legal. Eu não suporto ver gente morta. Meu pai morreu há um mês – fui lá, dei uma olhadinha e já fui embora. Eu já nem sei quando foi que meu pai morreu no meu olhar, só sei que ele foi embora. Eu também faço teatro lá. Legal, eu também já fiz teatro. Sou assistente de um advogado e assessor de um desembargador. Legal. Não se preocupe porque eu sou gay. Eu nem ganho muito. Mas é o poder. É só por estar lá, ? É. Vou ficar em um bar com uns amigos, ai você continua. Eu sempre vou. Fui casado 6 anos com um americano. Oito com um alemão. Já eu nunca fui nada de ninguém de algum lugar. Acabou, ai vim pra cá. Mas eu tenho um apartamento lá. Eu não tenho quase nada assim, nem me dói, eu nunca acabo. Aqui é o bar, eu vou ficar. Eu vou seguir sã, muito obrigada. Prazer em conhecê-la. O prazer é meu! – eu nunca vou estar lá, pois não me conheço.

Não chego a tocar no hedonismo. Eu não tenho tempo, sou atemporal. Cinco minutos quebrados para descobrir uma vida inteira e me acobertar com o desconhecido. Estou segura com as folhas voando secas, telhas quebrando pra ninguém concertar, o vento me levantando e fazendo voar. Meu temporal vai lambuzar o caos com carne mofada. Jozi, eu vou a pé!

Na rodoviária eu tive um nada assim: um sanduíche que eu mordia assustada. Meus olhos são tão grandes devorando o miúdo do mundo. Vou explicar: eu mordo o pálido, o branco dos meus dentes penetra no morto e vai fazendo brotar vermelho vivo. Limpo com um guardanapo usado o sangue seco no canto da minha boca que ninguém ousou tocar. O canto de mim é uma selva que ninguém colocou os pés descalços. Eu canto um passarinho amarelo. Você dá medo, porque é uma floresta. Nada me resta a não ser ser sozinha tudo. Não ser é o resto que eles comem. Eu não suporto gente morta. Apesar de eu mastigar o estragado e engolir doendo e com os olhos molhados. Meu doce rosto é tão salgado. Nenhuma saliva experimentou porque sou tão verde e úmida. E o sol é um olho ardendo em mim.
Minha nuvem corre no chão...

Danço uma música cantada por um par de asas depenadas. Bem peladinhas. Tapem suas vergonhas com as mãos! Selvagens nus com sapatos de couro de animal mastigado. Água ajuda na digestão. Estava com um livro nas mãos lendo um machado na cabeça de uma mãe, mas a paisagem lá fora me fez marcar a página e observar através da janela do ônibus: o céu estático e o chão correndo de mim em mim. Água para matar a sede e apagar a marca. Meus olhos sentiam as montanhas e o sol se pondo do azul lá em cima para pousar nas cores aqui dentro, vermelhas talvez. Pode entrar, eu não tenho portas, só partidas. Tem café pra gente conversar nossos olhares. E, só pra passar vontade, bolachinhas vencidas.

É só pra passar a dor que a gente não vence. Pode me abandonar. Eu tenho uma pena na bagagem e músicas novas num velho rádio. Tocando em um violão sem cordas, eu descobri que a minha vida era ir para o mundo com o meu mundo coberto nas mãos. Apesar da noite, vesti meus óculos escuros. Sem acordes, eu dormi por cinco minutos.

Talitha, você é assim: seu vestido é uma bolha de desamor. Olha-la é uma pergunta: quem ama essa menina? Eu chorei no seu sofá colorido. Seus dedinhos pequenos tocaram nos meus olhos e eu chorei. Ator ruim nem água de cebola nos olhos salva. Seu tumtum tocou uma música nossa e dançamos juntas na madrugada. Eu sou sua filha e você é minha irmã.

Conhece? Não. Abre o livro e me lê. Você me vê olhando para o nada e descobrindo tudo. Quando as cores entraram na sua vida? Não sei, elas sempre vieram vindo. Mas não sei. Acho que foi quando tinha um palco e algumas luzes. Laranja e branco, depois vermelho e azul. E eu me esqueci do que acontecia e passei a me acontecer: meus olhos grandes ficaram maiores. Nossa, eu digo tanto “não conheço”. Você me empresta dois livros. E eu deixo uma poesia, uma peninha e uma concha achada e perdida, como nós. Não é a hora de dizer “é aqui”. Comprar um carro dentro de um CD nos faz voar de bicicleta. Sabia que tem estacionamento para ela? Não vamos parar, corremos nas veias com nossas plaquetas e infecções. Se eu fosse Paris, tatuaria a torre bem pequenapequenapequena na nuca quase cabelo ou no calcanhar. Mas não gosto de nada na pele. Pesa, ? Fiz uma estrela no pulso e apaguei. Hoje eu voo.

Desde pequena eu sou olhar pela janela e as imagens partindo rápido. Eu também. Eu lembro muito e lento. Sempre senti doendo desde que eu era grande. Jozi, eu sou tão pesada pra eles. Eu não quero. Eu preciso ir embora. Vá! Meu pai disse: a Talitha é tão leve que a gente se sente bem ao lado dela. Passa uma coisa boa! Meu pai escutou e passou correndo em um carro que não toca CD. Eu to descalça. Jozi, eu vou a pé! Vai! Eu vou voltar. Para me dizer que queria ficar lá. Eu sei. Eu não conheço. Você me acha medrosa? Não, sua mochila esta nas suas costas.



De frente você é um susto. Assim: eu criança era sempre banguela, ai meus olhos pararam um pouco de molhar e aprenderam a sorrir sem dentes. Mas algo escorria pelo rosto até meu dedinho do pé. O chão virava grama e nascia uma flor entre o dedão e o próximo. Desde então eu choro. E chove púrpura.

Vesti uma bolha porque não tenho teto. Fica bem em você. Como eles me abandonaram tão pequena? Se não houvesse abandono hoje você não seria tão grande. Sua nudez não cabe no bolso do jeans deles. Eu não quero ser só professora. Somos sós. Além do humano e do amor, eu quero fazer medicina para organizar minhas ideias e minha escrita ficar mais bonita. Eu me sinto fazendo cinema. Você vai ser rica. Eu devo um pouco para o banco. Você quer ser famosa? Eu quero pessoas me sentindo. Um dia você vai poder comprar todos os livros. Leva esse banco para sentarmos na beira da praia. É tão perto.

Você também sente que você é longe? Eu sou eu perante o mundo e o contrário parece-me verdadeiro. Vamos mergulhar porque eu não gosto de ficar torrando ao sol. Torradas são para o café da manhã do hotel. Vou contar uma mentira em inglês. E todos vão acreditar em mim, a estranha. E eu vou sorrir banguela, só pra impressionar. Expressionista que sou. A gente não tem nada a ver, mas somos tanto! Somos tão nós. Você com 36 e eu com 19 e poucos números e tantas palavras que comovem até mesmo um sofá imóvel, velho e furado. Nós somos um buraco. Você é para dentro. Por isso você vive engolindo as coisas de fora sem pensar. Imponha respeito. Estou cansada. Mas você anda tanto a pé.


Seu Antonio anda se questionando: não sabe qual é a fruta que mais gosta, nem o lugar que mais quer conhecer. Faz uma salada de frutas e engole, homem. Sente tudo dentro de uma vez. Sente em Paris. Eu corro me questionando: que cor terei amanhã? Sereia manhã. Você tem um lar. E essas paredes, apesar de paredes, são cores – pintam nosso vazio e constroem uma Via Láctea. Mas queremos o infinito. Ele resolveu, então, assoprar bolinhas de sabão para sempre.


Querem tocar o que não alcançarão. Deixe-me sentir apenas. Pode ficar aí com o que você não é, não precisa chegar perto. Eu chego longe fechando os olhos. Na bagagem, eu sou uma pena. Eu vôo leve no que você respira difícil... mamama mamama mamama mamá.

Amor magro.


Você não sofre por alguém, sofre pelo mundo e resolve ficar muda diante de tudo que lhe dá um soco nas vísceras. Até vomitar palavra úmida. Enquanto seu útero parece uma uva passa seca, você escolhe o nome dos pés descalços correndo na grama do seu jardim. Apesar de não poder compartilhar seu sangue, por ser raro, e nem poder aceitar transfusões por não serem compatíveis com o seu incompreensível. Nem poder nenhum para sua não posse de si mesma. Um dia serei uva verdinha e gorda para nutrir meu feto na nossa floresta fechada em nós e aberta para a vida. Tirar a polpa da fruta tirada do pé com nossas próprias mãos de filho e mãe. Temos medo da menina no ventre, que não será nossa. Se ela for eu, dôo-me duas vezes. Não sou minha. Doar-se pode ser a solução para a dor do parto. Partimos, pois não sabemos voltar. Voamos famintas cantando passarinhos que comem as pistas no chão para voarem melodias no céu amanhecendo virgem e alaranjado...


Amanhecer é loucura e amor. Amarelo e vermelho misturando-se na tela através dos dedos de um recém-nascido que ainda chora a vida. Imagine um ovo sendo quebrado em uma placenta: é o sol nascendo inteiro em mim.

Às vezes, ao acordar, a coisa mais digna que você tem a fazer é lavar o rosto, escovar os dentes olhando-se no espelho. Levar um pequeno susto com gosto de remelas. E eu tenho me esquecido. Em algum lugar. Abro os olhos e já corro. Ou, fico só sentindo a vida com o rosto seco, impenetrável, e os dentes rançosos. Ou. Não sou essa tristeza a qual as palavras têm refletido. Eu sou uma criança que gira com as mãos livres e canta sempre mesmo que para dentro. E sorri, apesar de banguela. Não tenho vergonha nem medo de tropeçar. Carrego nos olhos cores que permitem amanhecer sempre, mesmo sem sol. Pinto flores e pássaros nos calos de meus pés esquisitos com dedos que mexem sempre. Na lama, na grama, na alma pequena. Na poeira levantada pelos meus passos, flutua poesia. Nossa poesia é uma brincadeira.

O meu martelo são duas mãos tocando seus cabelos que começam a envelhecer. Fios branquinhos voando com o vento. Então, não poderei mais toca-la. Não quero que anoiteça sem que antes você escute a música tocada, em um piano roubado, por meus dedos compridos e amarelos. Poças na planta dos pés para você brincar em mim. Para eu poder tocar em nós e sermos cachoeira na minha floresta de gente nenhuma. Pegue-me nas mãos, engula-me, mesmo que doa, ninguém esta vendo, para que eu volte ao ventre nua e sinta seu toque, mesmo sendo na sua pele redonda. Para voltarmos puras com os olhos molhando vermelho. Eu gritarei quando você me der a luz. Escute-me! Ela me dada eu nunca mais soltarei... Soltamos as mãos para sermos duas meninas, filha e mãe, que se olham pelo retrovisor com olhos grandes e pesados.


Queria escrever mais complicado. Mas você é simples. Algumas palavras são tão difíceis e não cabem em mim. Já eu não tive nem o martelo. Ela nunca me deixou chegar perto e: ser-me devagarzinho. Foi uma martelada rápida na minha cabecinha. Mas eu não morri. Sente o peso disso? Escondo uma peninha azul no seu cabelo bagunçado para você ser passarinho. E assopro o cisco no olho para chorar menina e voar junto dele. Eu não caibo em mim.

Ainda não chegou a hora de dizer “é aqui”. Talvez nunca seja. Talvez sejamos de lugar nenhum, sem relógio no pulso, nem estrela. Eu vou ao Rio me ser um pouco sozinha comigo. Até lá! Eu vou a pé, mas vou voar pela primeira vez. A arte vive em mim desde que abri os olhos. O teatro compartilha o que eu sinto: pés descalços no palco. Você lá fora é tão dentro. Voltando você é lá. Essa é a história é uma amizade que começou com a poesia estourando plástico bolha em torno de nós. Indo somos sol. Ai, quando chegou a pele, tocamos na alma.

Uma música, só. Digo tanto “Ai, que bonito!” enquanto vivo. E eu seria sempre assim: olhos doendo captando o grande desconhecido da pequenez do mundo. Eu sereia sempre sim. A nota é dó. Um mar que cheira café sendo passado. Eu sendo presente, silenciosa. Com a paz de um cabelo branco voando feio. Enquanto eu morro montanhas.











Quando criança, não aprendi a amarrar os cadarços. Chamavam-me: burra. Tropeçava em um caminho torto feito só pra mim. Não ouvi ninguém me chamar, então não voltei. Cai demais. Ralei o joelho e pedrinhas entraram na palma das mãos macias. Corri, corri, corri. Mas elas permaneciam correndo em mim. De tanto doer, aprendi a fazer um nó nos sapatos. Mas eu permaneci parada desde então. Passei a ouvir um não. Mãos ásperas passavam pelos meus ouvidos e iam chegando aos meus olhos. Dei um passo. Caí no abismo. Chorei pétalas cinzas de rosas vermelhas. Com um espinho da flor, cortei o nó, como se cortasse o pulso. Jorrou sangue. O abismo transbordou e deixei-me ser levada. Você me esperava leve. E fomos.

A pena que me deu voou pela casa. Não a acho. Ela não pertence. Voar é ela. Na luz, é azul. Cortinas esvoaçando verão na janela de pano. Eu não consigo quebrar essa barreira criada com mãos que não são minhas. Então, pinto, no muro, cores de caleidoscópio com as duas que possuo e voo-me embora com asas de ninguém. Da criança: pontas dos pés em uma linha quase invisível no céu. Assopramos.


A infância é um pássaro depenado voando alto. Imagine uma chuva de peninhas coloridas molhando nossos cílios. Dentro de um automóvel veloz, seus braços para fora flutuando seus dedos tão calmos. As árvores têm folhinhas que são eu. Não ela inteira. Várias sutilezas, sem nenhuma estação.

Não conto os dias, eu só sei cantar. Desafino uma vertigem bem bonita para dançarmos com esmalte forte nas unhas. Canto noites sussurrando madrugadas suaves no seu umbigo. Você ri antes de sorrir depois. O sol é pós. E se pôs. Eu aceno: até sempre! Minha mão entra em mim e sacode tudo. Nossa matemática é um acerto breve à caneta. Somos rabiscos em um papel reciclado da árvore que vive sozinha na plantação de arroz. Em qual lado encontro seu amor?

Um vulto veloz jorrando água dos tornozelos nesse lugar de colher, com uma faca, sentimentos - o que você sente é uma criança correndo no seu arrozal no final da tarde. Ainda é cedo para essa rosa entardecer?

Eu me vi olhando em um cristal, Jozi. Porque você olhou nos meus olhos nus uma luz vestida de mim. Agora eu posso ter um lar para sempre. Dormirei em uma rede nunca presa em paredes. Jesus era Indigo, eu sou um cristal. As pontas dos seus dedinhos o colocaram na palma da minha mão. Eu permanecerei sentindo. E na alma, a solidão. O Menino nunca existiu, mas sentiu água nos pés. E eu, o que sentem? Levo-me na bagagem, eu me leve em mim uma poesia

meus olhos aguados
escorrendo selvagem
nutrindo salgado,
banguela e doce,
minha menina
que vai indo

por aí
colhendo arroz
correndo
amor
por aí





a menina

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