segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Impressões




Eu calcei minhas havaianas, já bem gastas de tanto ralar nos longos corredores de minha casa. Labirintos. Gastas também por, com freqüência, serem atiradas à parede. Eu costumava matar aranhas com elas. Mas matar aranhas não me diverte mais. Agora eu me divirto matando lembranças, matando vontades, e parindo idéias, parindo companhia.
Às vezes (sempre) dói matar. Mas a dor do parto é compensada pelo riso coberto de lágrimas e gritos desesperados de uma criança lavada com o sangue da mãe. Vermelho. Paixão. A mãe, quase sem forças, sorri. Amor. Vou acordar com você em meus braços. Vou sonhar que você já esta pedindo por meu peito. Companhia. Minhas idéias pedem por meus versos. Eu vou sonhar. Idéias.
Eu matei várias pessoas em mim, para mim.
Eu matei o pranto de todas as tardes que me escondia de mim mesma para libertar as lágrimas contidas, que faziam até doer a garganta. Eu sentia vergonha de minhas atitudes melancólicas e desconsoladas. Mãos no rosto. Eu quebrei meu espelho. Acho que é porque eu fico feia chorando, você entende? A aparência é gélida. Em meus olhos permanece apenas um mar fundo e frio, sem vida; apenas pedras que cortam os pés. Inexpressivo.
Eu matei as noites que eu incompreendida por não te perturbar em seus sonhos e tirar-te o sono e causar-te sensações esquisitas, como que fome de alguém (de mim)... Eu não dormia. Cansaço. Fome. Eu arranquei as páginas do meu diário. Páginas em branco. Meus dias eram vazios. Pálidos.
Eu joguei minhas havaianas contra a parede. Eu queria jogá-las em você. Impassível. Fazer você sangrar. Vermelho. Amor.
A parede me jogou pra longe. Eu sai pela janela e cai em uma poça d’água salgada de prantos e partos. Eu me afoguei. Fôlego!
Joguei toda água suja pra fora. Flutuei sobre a superfície e logo consegui voar pra longe dali, do descaso. Desafogo.
Minhas asas me levavam instintivamente para o horizonte que agora havia no mar dos meus olhos. Eu soprava e eliminava a poeira dos meus pulmões. Puros. Eu era a pureza. Eu estava coberta pelo sangue maternal. Vermelho. Amor.
Guiei-te. Você mergulha no meu mar. Permito-te. Há esperança em minhas mãos estendidas. Há desejo em seus lábios molhados, em seus dedos já murchos.
O toque.
Você se perdeu no meu mar, no meu amar... Afogo-te. Afogo minhas lembranças. Mato-as. Agora posso por meus pés no chão! Ufa!
Calço minhas havaianas, caminho pelos labirintos e sem medo e com a certeza da incerteza do caminho percorrido, sento-me em frente ao televisor.
...
Assisto a um comercial de sandálias havaianas. Bonitas. Multicoloridas. As legítimas. Morri.
Matei minhas idéias paridas com dor. Matei sem sangue. Sem amor. Recuse imitações. Sem pensar. Apenas impressões.

4 comentários:

Unknown disse...

Muito bom, tali. Parabéns MESMO! *---*

Franciele Renata disse...

O parto de idéias só não é mais doloroso que o parto da felicidade. Esse sim, parto sem sangue, amorfo, buraco no espaçotempoetc.

Franciele Renata disse...

Gosto do teu jeito hermético de escrever: Clarice Lispector na beirada do abismo do surrealismo.

ah, adiciona o blog novo: http://tentativadeaufklarung.blogspot.com/

Gean F. disse...

muito boom :D psicopata e surreal :O maais um otimo texto (Y)