sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Violência no jardim




E eu gosto tanto (esta expressão é tão difícil!), pois a sinto antes da sua chegada (isso confessa nosso amor – muitos amores não devem ser confessados), e a cada passo que se aproxima de mim, mais aguçado meu olfato, eu sinto mais intenso o seu cheiro, nas ruas, nos ares, nos outros, nossos troncos, folhas, flores pétalas sépalas ginec- eu e a primavera.
Ela sussurra levemente em meus ouvidos e anuncia. E eu agradeço com sorrisos que pedem para serem. A palavra equinócio é só pra cumprir o seu papel, nada mais.
A mãe da menina, cheia de ternura, comprou o tecido, tecido bonito aquele, simples, mas bonito. A menina, cheia de candura, menina bonita ela, queria o vestido pra rodar. Ele era todo flores. Ela era toda cores. A menina e o vestido.
Muito cuidado, muito trabalho, a mãe queria ver a filha rodar, a mãe queria ver o céu nos olhos floridos da filha. Filha que roda olhando pro alto.
Ela só queria rodar no jardim, queria o vento e talvez uma folha caindo no seu rosto.
É 23 e a mãe a entrega o vestido, o qual já estava sendo há muito preparado, mas era inverno e menina colorida no cinza é pecado. Moças, mães e seu pudores. Maçãs, afagos e seus pecados.
O primeiro contato, as pontas dos dedos e a textura leve do tecido, o fechar dos olhos, e o sorriso e o êxtase, para sempre nunca mais será o primeiro. Menina roda de dia com o sol na cara, pede “por favor” para o outono fazer uma folha cair no rosto e partir assim que o fizer, pede desculpa pela indelicadeza. Já o vento vem sem pedir licença. Às vezes gosta dessa brutalidade, com vergonha. Faces vermelhas e toda feminilidade.
O céu gira na sua íris e a mãe, sempre cabeça baixa – uma humildade de opressão, vê o céu pela primeira vez nos olhos da filha. Mãe pisca os olhos...
Faces vermelhas e toda feminilidade. O vento e toda sua brutalidade. Sem pedir licença, invade-a. O primeiro contato. Menina é vento por dentro e não pode chorar porque água no vento evapora. Só fica o sal. Logo você que era tão doce. Logo você, menina. E o vento foi embora, ele que veio pra te sangrar. A mãe não te olha mais nos olhos, agora só há chão. Menina não pode mais sonhar.
Vestido florido não cabe mais, a criança-vento cresce dentro de você. Vestido preto você vai vestir, é morto o céu nos olhos, é duro o chão o qual tem pra pisar. E você é quem vai costurar. Mãe foi alcançar o céu.
O inverno chegou sem ter verão. Criança Ventania já tem roupa pra vestir. O pano florido, o primeiro contato, a ponta dos dedos, o primeiro contato, o vento...fizeram-te nascer. A mãemenina abre o baú, e entre fotos, flores secas, papéis amarelos, esta o vestido. Vestido é manto para o batismo. O solo vai te abençoar, criança. Menina vai rodar com a Ventania nas mãos. Menina tem o mundo nas mãos.
Menina planta uma flor na terra.
Menina sai voando.
Mas já é quase setembro.



Nenhum comentário: