sexta-feira, 28 de junho de 2013

calabouço

Monet

A delicadeza demora, a gentileza assusta, as sutilezas se camuflam em palavras curtas que levam horas. Um homem caminha descalço na madrugada fria, pés grossos, olhos rachados, roupas em fiapos, olhar denso de vida - que penetra nos cortes da minha pele quente e se funde aos meus rasos ossos e vãos das minhas cutículas. Em uma rua sem saída, um menino faz malabares, para ele mesmo, não vê mal nenhum em se expor apenas para si - os sinais estão cheio de gente fechada em motores, em retas fáceis, em ausentes cores, pesados ares. Uma senhora saudável caminha por entre doentes acenando adeus e rindo. Eu tentei sorrir também e lhe estendi a mão. Disseram-me para tapar meus olhos, enrugar minha boca, encolher meus dedos, ausentar meus dentes. Porque, ao contrário, tropeçaria em todos os esgotos de todas as esquinas, sofreria bocados - você vai sentir demais, menina. Você assusta assim. Então, olhei-me bem ao espelho - não sei dizer o que vi. Resolvi, então, olhar-me em um rio viscoso. Entendi. Meu reflexo não seria visto, mas eu senti, ali, naquela água turva, o que era dentro daquele 'mim' e o oposto e todo 'resto'. Continuei por ai, arregalando olho de gente, recebendo sim em pupilas e íris e braços invisíveis, e também, mãos em meu peito, afastando-me - porque era difícil, o tanto sentir, os pulsares imprevisíveis, os sustos - eu não sei lidar com isso, disseram-me. Vai-te daqui. Adentrei então, clandestina, no mato em que se continuava aquela rua - que não tem saída, e encontrei ali uma chegada, onde mãos acenavam e todos viviam tranquilamente com os olhos arregalados e estendiam os braços e entendiam o outro lado, que era dentro. Uma mulher acordou de madrugada para passar café, mas se esqueceu de abrir a janela...

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