quarta-feira, 17 de julho de 2013

troféu de herança

carregava nos pulsos uma corrente de penas 
as correntes das máquinas
os pulsos dos relógios
as penas que eu sinto
de mim
do mundo
voando preso 
(e sem asas)
a um cerne de engrenagens enferrujadas
por oxigênios não respirados
- tensões necessárias
enjauladas em um peito
com pulmões colapsados
corações desarmados
em ações de homem civilizado
- o tiro esta no sorriso congelado
nas caras de cavalo
cavalgando no asfalto
quente de vapor
de esgoto
- e a comida no freezer.
satisfeitos em subir
subir
como esse gás
que fede e entope
os buracos criados
para preencher
as necessidades
de ser
mais do que realmente
é - o que corrompe.
- gases borbulham na mente
tais quais borboletas agitadas
e prontas
presas em um casulo que não se rompe.
mas não esqueça:
as lagartas estão soltas
e deixam seus rastros

mortais.



quarta-feira, 10 de julho de 2013

o tem

o tempo corria solto
nos sentimentos presos 

tiquetaqueava o oposto
nos 'viventes', intensos
sós em seu itens
coisas
coisas
coi só
coisas
nada tens


doentes

vidas rasas
flores secas 
- de sóis que ardem
mas não aquecem -
apoiadas em suas orelhas

tropeças
não há muletas
não há atalhos
são labirintos, incertezas
- só o equilíbrio falho 
em um tronco sem galhos
não há ninhos
rastejam, sonolentos
os pássaros
- sem filhos

ri banguela, paguei o preço 
de uma criança que conta estrelas
com o piscar dos olhos.

vi nela, na vida furada
o apreço
do espaço
para sentir 
o vento,

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Elena

Elena é nós que Sentimos.
Delicadamente bonito. poético. meio a gente que é assim, .


Arte que a morte nos separe.

DOGVILLE


         
Dogville (Lars Von Trier, 2003) é uma metáfora ou o próprio retrato do comportamento social humano e psicológico. Um filme cru: cenário riquíssimo, por ser pobre e transparente - não há paredes: vê-se tudo que é visto por todos, mas omitido pelos 'bons selvagens'. Poucos objetos, apenas descrições, para que a luz caia sobre Os personagens - podemos os confundir com objetos, vítimas da sua condição de ser humano e do seu meio. Sentimentos e relações explodindo poesia (disfarçada na ausência de detalhes externos, cores, palavras), está tudo implícito no pouco - de forma profundamente teatral. Há algo que justifique a arrogância, a exploração da delicadeza de uma alma humana, o desejo de dominarmos e explorarmos o outro enquanto negamos a necessidade que temos dele? O que é suficientemente bom? Punir é, também, perdoar e amar o outro - pois o coloca na condição de ser humano e de justiça? Ou, afinal, melhor fim é ser simplesmente tratado como Um animal? Entre mordidas em maçãs esse retrato cai ao chão e o vidro se racha. Vemos, então, uma bela imagem, distorcida em seus cacos cortantes, mas real. Dogville é um lugar que late - por um osso sem carne.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

calabouço

Monet

A delicadeza demora, a gentileza assusta, as sutilezas se camuflam em palavras curtas que levam horas. Um homem caminha descalço na madrugada fria, pés grossos, olhos rachados, roupas em fiapos, olhar denso de vida - que penetra nos cortes da minha pele quente e se funde aos meus rasos ossos e vãos das minhas cutículas. Em uma rua sem saída, um menino faz malabares, para ele mesmo, não vê mal nenhum em se expor apenas para si - os sinais estão cheio de gente fechada em motores, em retas fáceis, em ausentes cores, pesados ares. Uma senhora saudável caminha por entre doentes acenando adeus e rindo. Eu tentei sorrir também e lhe estendi a mão. Disseram-me para tapar meus olhos, enrugar minha boca, encolher meus dedos, ausentar meus dentes. Porque, ao contrário, tropeçaria em todos os esgotos de todas as esquinas, sofreria bocados - você vai sentir demais, menina. Você assusta assim. Então, olhei-me bem ao espelho - não sei dizer o que vi. Resolvi, então, olhar-me em um rio viscoso. Entendi. Meu reflexo não seria visto, mas eu senti, ali, naquela água turva, o que era dentro daquele 'mim' e o oposto e todo 'resto'. Continuei por ai, arregalando olho de gente, recebendo sim em pupilas e íris e braços invisíveis, e também, mãos em meu peito, afastando-me - porque era difícil, o tanto sentir, os pulsares imprevisíveis, os sustos - eu não sei lidar com isso, disseram-me. Vai-te daqui. Adentrei então, clandestina, no mato em que se continuava aquela rua - que não tem saída, e encontrei ali uma chegada, onde mãos acenavam e todos viviam tranquilamente com os olhos arregalados e estendiam os braços e entendiam o outro lado, que era dentro. Uma mulher acordou de madrugada para passar café, mas se esqueceu de abrir a janela...

segunda-feira, 24 de junho de 2013

engolir

queria só um riacho 
- não me importo com a água pouca -

preciso que ela corracorracorra 
no silêncio que ecoa 
entre meus dedos
dos meus pés que dançam 
em rimas fracas e fiapos
nos sonhos em que me deito
em um (a)mar sem medos
eu (nada)
nado

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Protestos II

Ontem fui engolida por uma onda de desespero - ainda tô sendo arrastada na areia. Tô me sentindo em um espetáculo de fantoches, e não conheço a mão que está me manipulando. Escuto Eles aplaudindo. Não entendo os sons, as palavras. Boba, chata, idiota. Estava no clima da beleza e da urgência dos protestos, estudando, ouvindo músicas, conversando com amigos sobre coisas rotineiras, rindo. Não consigo mais. Não tô conseguindo. Estômago embrulhado e coração bradicárdico, lento, fracassado. No começo, tudo me pareceu muito claro: a ação se dava por questões legitimas. A iluminação foi muito inesperada e muito intensa- quase levando à cegueira. O foco era muito claro. Durante a semana, meus olhos foram se perdendo, não sabiam para onde olhar, e ficaram se movendo incontrolados em busca de um alvo. Temos uma necessidade racional de saber para onde seguir, não é? Ai, ontem, a lanterna apagou e caiu pesada na minha cabeça: a desorientação devido à escuridão e dor por não conseguir pensar claramente. Ontem só ouvi gritos enquanto não enxergava mais nada. A única luz era da TV ligada, 'esclarecendo' de maneira porca o desastre dos manifestantes vândalos. Vesga, míope, estrábica: o que está acontecendo é muito mais do que isso! Sensacionalista, mentirosa, vendida. (engraçado, eu também estava me sentido assim). Então preferi ficar no escuro ouvindo declarações e choros dos que VIVENCIARAM a violência atroz da polícia e o majestoso BOPE. Doentes em hospitais sendo medicados pela polícia COM GÁS. Eles devem agir sim, mas erraram os alvos. Ou acertaram, se a intenção era reprender o povo e não protege-los dos que agiam/protestam violentamente. Só sabia dizer que estava assustada e com medo. Visualizei a direção para onde se encaminhavam as coisas, a partir de informações tantas e poucas ao mesmo tempo. ALGUÉM SABE O QUE ESTA ACONTECENDO? Só sei de hipóteses e, em geral, pessimistas. Assustadoras. Não temos um parecer daqueles que nos 'representam' politicamente. Eles não estão mais totalmente com o controle do poder. (e nós, que achávamos que estávamos...) Castrados. O poder está fardado, marchando com um sorriso diabólico no rosto. Enquanto o engajamento da luta por direitos legítimos em um a democracia, foi sendo consumido por uma onda demagógica fedendo à ditadura, ao fascismo, totalitarismo, sei lá que nome usar, conservadorismo burro, baderna, e à golpe. Uma multidão gritando, suas bocas se movendo, seus olhos saltando, seus braços levantados (agora pedindo salvação também) mas o som não sai. Imagine, uma cena de filme sem volume. Agora, de sons explosões e aquelas vozes com efeitos monstruosos. Os que não se ajoelham em prece, correm desesperados. Tô realmente triste, não sei concluir esse texto, não tenho informações, mas precisava escrever para aqueles que estão/estavam com seus corações e mentes fervorosos em busca de mudança NECESSÁRIAS para uma vida digna. Esses, que como eu, estão, agora, perdidos, meio bobos, gaguejando, tossindo. Não os que alteraram o rumo dessa luta para uma guerra ignorante e apolítica. Quero agora que falemos de soluções, que nos engajemos em uma luta pacífica, apesar do medo, e se necessário, recomeçarmos uma luta com objetivos CLAROS. Não podemos ser, novamente, VÍTIMAS. Não vamos deixar que anos de ignorância e arrogância política convirjam em uma piscina funda de merda, com bordas altas. Afinal, o cheiro é bem parecido: violência, censura...enfim. Vamos implodir isso em AÇÕES MODIFICADORAS. Os que começaram a se engajar na política recentemente, a maioria da população, não devem ser desviados. (nós sabemos que muita gente não estava dormindo, mas sabemos que muitos acordaram agora ) Não podemos pagar esse preço, somos todos um pouco culpados, mas não somos e nunca seremos a chave para nossa desgraça. Sinto cheiro de algo extremamente grave. Cheiro de agora ou nunca, independência ou morte. Se percebemos que estamos entre a desordem ou sendo direcionados a ações depredadoras - tanto físicas quanto psicológicas, vamos sair fora. É muito bonita a multidão, o grito. Mas se ela estiver vazia e contaminada...Vamos dissolve-la e formar uma outra DENSA e instruída. QUE SAIBA PARA ONDE VAI. E CHEGUE. Vamos sair dentro. O recado é: NÃO HÁ NINGUÉM POR NÓS, ALÉM DE NÓS. (O INIMIGO MARCHA AO NOSSO LADO, SOBRE NÓS, NAS NOSSAS COSTAS...MAS NUNCA ESTARÁ ACIMA DE NÓS) Se a luz faltar, TEMOS O TATO: SABEMOS DAR AS MÃOS.

domingo, 16 de junho de 2013

Protestos

Não tem nada a ver com bandeiras. Nem mastros, tá tudo bem mais embaixo. Aqui, ao nível dos nossos olhos de gente que é Povo. Quem nunca ouviu: é o fim da picada, a gota d'água e etc? Durante a semana passada li um texto de Andre Borges Lopes 'Jovens vão às ruas e nos mostram que desaprendemos a sonhar'. Mostrei a um amigo, e discutimos sobre isso. Sobre as lutas por causas especificas e seus resultados – ou melhor, não resultados. O cerne da árvore é podre, galhos não darão bons frutos, pensamos. Ele foi escrito dia 9 desse mês, logo, pouco antes de 'tudo isso' que tá acontecendo. Toda essa zona, esse vandalismo, desse povo burro, alienado, carregando morfina nas veias e cofres de aço guardando esterco sobre as costas curvadas. NÉ? Não. Eu choro e tenho raiva e revolta e orgulho. O meu coração e cérebro não serão anestesiados. Nem todo o resto. TÁ TODO MUNDO LEVANTANDO OS BRAÇOS, e não é pra louvar porra nenhuma. Tá todo mundo com as pernas em movimento, correndo, e não é de 'trombadinha', nem de ninguém. Tá todo mundo expondo a cara a tapa. De tanto soco, saliva, escarro, esporro, chute, água de merda - de tanta acidez nossa vontade de 'proteção' foi dissolvida. A gente pagou pra ver. Pagamos, pagamos, pagamos, The Rich Brazil. E quando li esse texto que citei, concordei desiludida. Pô, tava mesmo desiludida. Sentindo que vivíamos numa ditadura, escravidão disfarçada no consumismo e em todo glitter das propandas do 'Sonho Tropical', e estávamos aceitando tudo isso, tapando nossos olhos com máscaras macias para dormir bem. Mas eu não dormia e não durmo direito faz tempo. Meus olhos expostos ardiam a vida, a vida tardia, a vida pra depois que nos vendem. Ai, apareceu o grilo verde, a esperança, dias depois de quando eu havia constatado minha desilusão. NÃO DESAPRENDEMOS A SONHAR. E esse sonhar a que me refiro, não é alienado, infantil, ele é visceral PORQUE ATUA SOBRE A REALIDADE. Sobre o sentar na mesa pra comer pela manhã, sobre o caminho até o trabalho, sobre o dormir com o coração em paz. “O fundamental não é lutar pelo direito de fumar maconha em paz na sala da sua casa. O fundamental não é o direito de andar vestida como uma vadia sem ser agredida por machos boçais que acham que têm esse direito porque você está "disponível". O fundamental não é garantir a opção de um aborto assistido para as mulheres que foram vítimas de estupro ou que correm risco de vida. O fundamental não é impedir que a internação compulsória de usuários de drogas se transforme em ferramenta de uma política de higienismo social e eliminação estética do que enfeia a cidade. O fundamental não é lutar contra a venda da pena de morte e da redução da maioridade penal como soluções finais para a violência. O fundamental não é esculachar os torturadores impunes da ditadura. O fundamental não é garantir aos indígenas remanescentes o direito à demarcação das suas reservas de terras. O fundamental não é o aumento de 20 centavos num transporte público que fica a cada dia mais lotado e precário.” E por ai foi. O buraco tá bem mais embaixo – ele é aqui onde estamos. O que faz com que tenhamos uma noção consideravelmente mais profunda sobre essa escuridão aqui, essa falta de ar, essa água pouca de chuva suja que nos sobra para tomar de vez em quando. Lá de cima, dos jatinhos, é só um pontinho preto. Ou é uma cúpula de um vulcão adormecido, dito como morto. MAS NÃO MORREMOS. A lava tava fervendo lá embaixo. Os tremores começaram. Os gases fedem e entopem os narizes dos que estão 'lá em cima', nas arquibancadas de ouro, os superiores. Para nós aqui de baixo, os Pequenos, esse outro gás, nos servidos gentiLmente pela polícia, não nos atrapalha em nada, vemos bem melhor através da fumaça, enxergamos tudo por detrás do verniz que vocês passaram sorrindo em nossos olhos e pele. Chorávamos por dentro quando vocês, com isso, tentavam tapar nossa visão e limitar nossos movimentos. Nossas lágrimas e suor dissolveram todo esse verniz dourado, que era tinta guache barata. Como nós somos tratados: mercadoria barata. Nos nossos ventres já morreram muitos fetos sufocados tentando gritar. Creio que as causas de protesto não são mais específicas, não são mais causas particulares, individualistas, egoicas, como grande parte da sociedade. O protesto não é mais unicausal. As flechas disparam por todas as direções. Ele é por tudo isso que a gente foi segurando como um vômito. Ai, uma hora você come uma azeitona estragada, e não dá mais. Tudo sai. Há quem ache que é por causa da azeitona. No entanto, é esse alguém que tá numa conserva - Vencida.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Doses de nada
embriagam-me de tudo
que amanhã
não existe

ainda
ontem
- a sensação 
do lábio na taça-
persiste

quarta-feira, 12 de junho de 2013

BAÚ

O NÓ NO CADARÇO
É O CÍLIO NO OLHO - INFILTRADO:
PROTEÇÃO É MASMORRA
UM BOTÃO DE FLOR FECHADO
HÁ QUEM DA VERDADE
MORRA
COM OS DOIS OLHOS FECHADOS
E VEJA A VIDA DENTRO
SANGUE ESCORRENDO
COAGULADO
DURO
E SALGADO
DE LÁGRIMAS QUE NÃO FLORESCEM 
DE FILHOS QUE NÃO NASCEM
DE ALMAS QUE APODRECEM
DE PASSOS QUE NÃO AGEM
NA BELEZA DE UMA MENTIRA
QUE NÃO REFLETE IMAGEM

quinta-feira, 6 de junho de 2013

amadureSer

o dia acaba
e a lua é só 
uma pupila
que no escuro
se dilata


retr-ato

Dentro da gota
eu engulo o que me sobra
e escorro quente na
pele da face fria
do homem que não chora
Sobre ele
sou invisível
não deixo marcas
apenas uma sensação
que
demora
demora
demora...
eu passo passos e horas
embora embora
eu nunca vá.

terça-feira, 4 de junho de 2013

flor de barro

Olivia disse à sua mãe que as folhas estavam agitadas dentro dela. E que, às vezes, caíam levemente, balançando de um lado a outro - Olivia fazia o balançar com a cabeça, enquanto alguns fios de cabelo invadiam sua face - e desciam "pr'onde, mãe?". A menina contou que quando as folhas caiam pra cima, saiam pelos olhos, ou em um susto, pela boca, como se estivesse assoprando as outras que ficaram lá dentro, bem presinhas aos galhos, para elas se divertirem também. Eu não tô triste, mãe. Chorar folha é divertido, depois eu posso vê-las voando, sabia? Filha, não dá pra cair pra cima. Olivia insistiu que sim. A mãe disse que ela só pode estar de ponta-cabeça. Riu com os olhos brilhando, arregalados, e respondeu que 'pode ser'. E ficou tentando plantar bananeira. Mas as que caem lá dentro, filha, vão pousando ai, na tua barriguinha, e se desfazem em húmus. Dai, um dia, outra árvore cresce ai, ou uma flor. Pode ter passarinho, também, mãe? Depois desse dia, além de folhas, a menina chorava penas. E quando cantava, era uma bagunça de coisas dançando no ar. Olivia, chega, você já levou muitos tombos, você vai se machucar! E ela caia cada vez mais pra cima. Apesar da dor de cabeça, e dos pés dos outros que, não raro, feriam seus olhos, continuou invertida. Olivia gostava muito do céu e das frutas muito doces e ácidas que cresciam nela. Era uma menina muito sabida de sabiás. "O sabiá-laranjeira tem um canto muito bonito, dizem que ele canta o amor, mãe." E falou que, quando o seu coração doía, eram seus passarinhos bicando pra matarem a fome. E, então, entendia. Sentia o voar. As crianças sempre Entendem.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

folha de pedra velha

tire os sapatos, atire os fatos - contra a parede
quebre-se em incontáveis pedaços
até de ti sobrar o bagaço
e dele se mastigue
até a última gota
do teu sumo - mate tua sede
de ti mesmo
e do teu outro - mastigado
veja o reflexo - também é você
beba o quebrado - que te soma
sobre teus ombros
da tua doença amadureça tua cura
destrua tua cara, esparrame nela t'alma
soberba pura e nua
e puta
não há espelhos
embriagados
para te julgar
os cacos que fazem sangrar
a verdade
nos pés descalços

segunda-feira, 27 de maio de 2013

a, r

ar
a reta é perigosa
subentende-se a curva. 
a seta que não indica.
um tobogã que leva à lama.
a pele que não sua, 
nem minha.
o suor que lava a alma
que arrepia. 
toda apneia termina em grito,
e principia.
a respiração é só uma ideia

que asfixia.
r
r
r

sábado, 18 de maio de 2013


quarta-feira, 8 de maio de 2013

- Tudo bobagem, Ale! Amanhã eles já esqueceram, é sempre assim. Vocês vão beber e sair e rir juntos, mas amanhã, escuta o que eu tô lhe falando, quando você tropeçar de novo eles vão ter olhos distantes e risos murchos. E, o pior, às vezes, quem coloca o pezinho ou a perna inteira, são eles mesmos. Você viu? Os sinais vermelhos, as filas nos bares, o frio por baixo da sua jaqueta de couro. Mas relaxa, é assim mesmo. Tá todo mundo estrábico, e dizem que é divertido. Releva pra não criar confusão com gente pouca. Essa gente que você convive todos os dias, converte isso tudo em caminho. E é importante cair uns tombos também. O mais importante são as cicatrizes, isso é verdade. Eu acho que dá um ar de força, coragem pra pessoa, sabe? Tô um pouco de saco cheio com tudo isso. Além do mais, você tem seus amigos de verdade, Ale. Tá certo que eles estão longe, mas isso já é amor. Você tem a lembrança dos cabelos da sua menina voando na janela do carro, você ainda lembra da sua risada e do seu olhar de lado. Cara, acho que nunca mais como miojo e amendoim junto, não tô passando bem, sério. Mas enfim, o que é que deu com ela? Você, também, vou lhe contar. Faz cada cagada. Aposto que fugiu quando ela chorou pela primeira vez. Quase 4 anos e essa coisa esquisita que não foi nem ficou, qualquer dia vocês se esbarram em algum lugar, tô falando. O único contato possível é o mundo. Ela já não deve ter o mesmo número, já não mora mais na mesma cidade, já não se pergunta por você, será que o reconheceria tão mais gordo? Será que ela ainda tem as mesma pernas? Será que ela tem raiva ou vai amolecer quando o ver? Eu não sei, eu sinto que ficou uma coisa muito forte ai, só lhe falta coragem. Em relação a essas pessoas vazias que têm o machucado e disfarçado, não deixa isso morar pesado em você, não, sempre há uma salvação. Esses seus livros, cara, são fodas. Abre a janela desse quarto às vezes. Não se apega a coisa morta. Não se apague com ar sujo. Na verdade, eu não acredito mais em salvação. Mas você deve acreditar, você é tão bom. E por isso, sofre tanto. Eu tenho vontade de o tirar daqui e o proteger, mas a morte é única proteção que eu conheço. Desconheço também. Esses fatos não são tão desconexos quanto parecem. Agem cabalisticamente em você, e aí, paralisam-o. Só os seus olhos se movimentam, não bate, nem pulsa, nem vibra, nem digere mais nada ai, nesse seu eu! Mas cê tem a ver com isso, vê. Hoje eu fui a uma exposição de um artista muito foda, e na descrição de um dos quadros dizia alguma coisa assim: quem vive o mistério é porque deixou o cérebro comandar. Eu levei um susto, a princípio, senti-me até um pouco ofendido. E essa massa gorda e pesada e dilacerada aqui no lado esquerdo? Que mistério há na razão? Mas há alguma verdade que ofende. Não digo que há uma verdade absoluta, que saco isso. Ter que ficar me explicando, me não definindo. Coração é a realidade, por isso dói. Não consigo me perdoar por não sentir culpa pela morte do meu pai. Acho que foi o momento mais grave da minha vida, sua morte. O tom mais alto de um tombo baixo. Nem me machuquei. E tocava alguma música. Você se assusta, mas me entende? Não tenho culpa por esse não mais sentir. No lugar da culpa, sinto alguma palpitação dolorida diante da vida. Um susto. Uma criança diante de um quadro satânico. Caralho, essa chuva não para nessa porra de cidade. Preciso ir embora. Também dessa cidade. E eu usando chinelo ainda, vou voltar com a perna nojenta do vomito dessas poças dessas calçadas frouxas. Eu ainda guardo o travesseiro. Durmo com ele, na verdade. Não há remorso, só assim consegui dormir. Depois de 29 anos de vida, ou vala. Minha barriga ainda tá doendo. Tem algum chá ai? Levanta essa cara! Ninguém vai o tornar um merda por causa de algumas palavras grosseiras e ofensas ignorantes. A minha mãe tá ficando louca, cara. Ela não consegue me olhar, inclinou o rosto diante do chão para sempre. Tenho medo, ela esta curva demais. Já tinha problema na coluna, gastou tudo o que tinha numa cirurgia sei lá do que. Lembro do seu medo de morrer, tadinha. E eu, que já estava morto aquela época, tinha mais medo de viver. Não sei, acho que no começo ela ouviu os gemidos abafados dele, mas eu fui pressionando cada vez mais forte até ele não ter ar nem fôlego para tal. Eu fico imaginando essa cena: ela deitada para o outro lado com os olhos estalados, assustada, ouvindo e entendendo o que estava acontecendo. Ela não poderia fazer nada. Mas o sofrimento não exige muito, não é? 

quinta-feira, 25 de abril de 2013

varal

Van Gogh

Ele disse em alto e bom som: aqui, não fico mais! Fica com toda essa tralha, essa mobília de revista, que não é minha, nada é meu! Nem adeus eu digo, que fique claro. Os que ali ficaram, na penumbra cheirando a pó e a mogno, abriram as cortinas, com seus dedos gélidos e cutículas expostas, e viram alguma coisa latejando no ar, no peito, espasmos, na janela, reflexos do sol e dos olhos, onde nadavam roupas ocas de criança. Máquina de lavar alma suja transborda e não enxuga, entenda. Centri-fuga do que já não é, bicho-parafuso não tem fome, enxerga. Ele estava partindo, podia-se ver. Fugindo, não. A passos lentos, braços balançando naturalmente, cabelo por cortar ao vento. Que entrava, impassível, pelas frestas da casa, mas por aquela janela, não. Mãos para todos os lados tentando agarrarem-se a algo, mas nada havia ali. Ninguém sabia gritar, o estrondo era silencioso. No peito, piano. No entanto, as bocas estavam semi-abertas, mornas. Câmera lenta ali, onde o vento dançava clandestino. Enquanto o homem seguia na não velocidade do agora. Os movimentos deles, entre o branco e o preto, não tinham autonomia, nem vontade, ficar flutuando em espiral, o destino. Jogados, feito bitucas de cigarro - já apagadas, a diversas direções, esbarrando em porta-retratos felizes e burros, eles ainda podiam ver, depois da cortina, o homem virando, cálido, a esquina. Já a distâncias, todos ouviam, ainda calados, ele assoviando.
 Distâncias que há muito já havia.

sábado, 23 de março de 2013

hoje
eu queria olhar
o mar
e depois
deixar
nossas curvas se encontrarem
deixar
nas suas turvas águas a maldade
por estarmos
sós
em um imundo quadrado
amanhã
pois
sóis amanhecem
em um mundo estrábico
meu olho
então
converge para meu dentro
lentes de contato
pra gente se tocar
o inabitado
onde ondas são
e o que se desfaz sendo
inacabado

quinta-feira, 21 de março de 2013

Na solidão das cadeiras, nos pratos sem restos ou migalhas, Amélia se debruçava e esquecia de si mesma como um papel de bala no jeans e contemplava as gotas de gordura deslizando na parede. Amélia, no lugar de olhos, tinha dois punhais. Ela era estática, o chá esfriava em suas mãos. Amélia era uma prece, ela, que nunca dançou.

quinta-feira, 14 de março de 2013

a avó a abraçava com seus 2.000 braços, passava café, vestia a mesa com a toalha xadrez azul e a olhava com seus dois olhos. apenas dois, e eles a amavam uma vida inteira enquanto suas mãos, entre as maçãs, bolachas e pães, se tocavam e se entendiam. diziam poucas e doces palavras, se sentiam como ninguém mais. e então ela me acena, sorrindo lágrimas, no portão. e todos os dias eu sinto, com os olhos fechados, o vento, que balança seus cabelos prateados enquanto ela abre as janelas pela manhã, no meu rosto.

sábado, 9 de março de 2013

Não é porque um homem nojento e desumano foi 'eleito' presidente da Comissão de Direitos Humanos, ou porque o maior produtor de soja do Brasil - o qual ganhou, inclusive, o famigerado Prêmio Motosserra de Ouro - preside o Ministério Do Meio Ambiente, nem é porque a mídia sensacionalista deturpa os fatos e o HUEC, seus funcionários, médicos, enfermeiros e demais profissionais, pacientes, nós, os estudantes, a população, é que pagam o preço inflacionado de uma justiça omissiva: ela espera, com um figurino fino, por trás das cortinas, o espetáculo começar. Ou a plateia silenciar. Ela espera, enquanto o relógio no pulso do trabalhador, gira, gira, gira numa ciranda de impostos. Mas pagamos mesmo, sem problemas, no stress, keep calm, somos uma das 'nações mais ricas' do mundo. Dá pra parcelar em 12x no cartão de crédito, tá? Pode ficar tranquilo. Sambamos com a boca fechada, driblamos descalços (no entanto, sem os pés no chão) todas essas chateações, né, né, né? Ah, nisso se dá um jeitinho, 'vamo vê tv'! E aplaudimos emocionados no final. Não é porque me assaltaram, e assaltam meus amigos, meus irmãos, ou quem der bobeira, ou porque temos que dar passos sempre desconfiados, ou porque matam gente feito coisa ou pedaço de carne, não é porque o sangue que escorre nas canaletas é dissolvido nos alagamentos, é misturado ao lixo, a garrafas plásticas que boiam, aos luxos que compramos para nos sentirmos mais que carne, mais que alguém, mais tranquilos, menos bichos. Bicho é de comer. Nós somos seres evoluídos, somos seres Humanos (somos, não é?). Roubaram das nossas Louis Vitton, falsificadas ou não, a coragem para ser. Não é porque não se pode ficar quieta, reservada, ou chorar e já acham que você tem algum problema, você não é normal. Eu tô legal, mas existe aqui no peito uma massa, um músculo, que pulsa, pulsa, pulsa. O silêncio é tão importante e o valor, entretanto, está no barulho dos motores dos carros potentes percorrendo nossos batimentos cardíacos. Normal é rir de tudo com os olhos fechados 24 horas por dia. Dormimos todos os dias com as bochechas doendo de tanto rir, né? Mas dai é só você tomar um 'remedinho’... A dor passa, passa, passa. Não é porque julgam quando ‘ouso’, ou quando resolvo dançar como quiser, ou quando sorrio demais até ocupar os olhos, ou porque perguntei e não devia, ou porque gosto da pequeneza da poesia. Não é porque erro demais, ou não cumpro com minhas obrigações, ou com a minha palavra, ou porque eu decepciono. Não é porque eu quero ir pra outro lugar, não é porque eu quero ficar. Não é porque tem gente com fome, com frio, com contas pra pagar, com dor, com sono e não consegue dormir. E dói. Não é porque as crianças não podem ser. Não é porque vendem anestésicos e compram pessoas. Não é porque a Igreja também mata e prostitui, não é porque o pastor sugou o fiel, não é porque a senhorinha morreu sozinha e ninguém orou por sua alma. Não é porque eu não tenho grana pra comprar meu lugar no céu, ou a amizade dos bacanas. Não é por isso que eu estou escrevendo isso enquanto eu deveria estar estudando. É porque eu digo, apesar de tremula, sim. Eu quero sim acreditar em uma nação rica de gente humana, inteligente e sensível. Eu quero caminhar a pé com meus amigos sem medo. Eu quero poder sentir cheiro de mato. Eu quero mais janelas nos quartos. Eu quero que o poder não usurpe a liberdade. Eu quero que o trabalhador durma com a mente calma e estomago satisfeito e o coração completo. Eu quero que as crianças aprendam sobre o respeito, não sobre distinção ou sobre o ‘correto’. Eu quero que a mulher tenha força para arrebentar as grades com a mente, e não só com o corpo. Eu quero que as pessoas sejam respeitas e saibam mais sobre política, e que os políticos saibam mais sobre pessoas. Eu ainda quero acreditar. Eu, que tenho feito pouco. Nós deixamos de acreditar no que somos, e pra essa doença a indústria farmacêutica não vai ofertar medicamentos. Eu não sou uma máquina com ponteiros insanos. Sou bicho, não é porque como, defeco, reproduzo e morro, é porque vivo farejando com os olhos algo que eu não sei o que. E, mesmo assim, continuo sei lá pra onde. Até virar adubo. Eu quero mais jardins.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

pra marília

Tinha os pés no chão, aquele passarinho. Sentia-se feliz, seguro, tinha noção do que havia ao seu redor próximo. no entanto, uma fome morava dentro dele, apesar de não a sentir. Um dia, viu uma forma aparentemente deliciosa (e era). Ao comer, aquela delicadeza foi se desprendendo, foi o cortando por dentro, como se agulhas saíssem, inacreditavelmente, explodissem daquilo. Cortes profundos, como doíam. Mas o passarinho se sentia maior, aqueles espaços perfurados o engrandeceram. Aquela coisa dolorosa que comeu sem saber, o saciou com o sabor misterioso de 'viver'. Só então, em lágrimas, olhou para cima e sentiu o céu. E só então sentiu que poderia voar. E agora voa vendo por dentro milhões de distâncias fora. E agora, depois da dor, sabe o que é vermelho. Mas pode descobrir o azul. Agora ele é. Agora um mundo vive nele.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

a natureza me conta coisas em silêncio. e eu só as consigo ouvir quando o coração pulsa tão alto a ponto de o som não existir. mas há música. a madrugada me revela mistérios, me revela a mim mesma, com o peito aberto e a mente livre, o quão longe se pode ir dentro da verdade de ser apenas um Simples. só então, há música em si. podemos dançar.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

cada vírgula é tão vasta que nada cabe nela

e, ainda assim, preenche infinitudes

desvirtua o ainda não de tudo
vazia, transborda o amanhã no agora
e interroga o incompleto que amanhece 
do ventre de uma cadela 
que do sempre padece no nunca
nua
numa esquina
de qualquer rua
que ainda virá(r)

domingo, 20 de janeiro de 2013

a palavra voou folha como se fosse outono, e deitou lentamente ao chão, como se o dia não fosse outro

domingo, 13 de janeiro de 2013

talvez agora seja o momento em que o tempo já não é 
(liberta-ação)

domingo, 6 de janeiro de 2013

Pela manhã, facas e curvas

Então, sem resistir, eu puxei. Aquela vida congelada piscando, porém neutra, queimando invisível, eles não querem ver, incomodando, chamando-me, pedindo-me libertação. Eu era aquilo. Farelos, restos, livres excreções, simbólicas últimas páginas, o azul sangrando para poder tornar-se vermelho, a decisão de descansar sua alma em um piscar            e ter no           em frente ao espelho. Com a ponta dos dedos, com a delicadeza das curvas das serras da facas, sem comoção, os cílios parabólicos tocando as olheiras e captando insonias e sonos sonhos, sem a emoção contornada dos trailers, a pausa, sim, pausa no tempo, na palavra, o movimento morou no intervalo, eu a toquei, tão depressa, tão procurando seu ponto em que eu pudesse me apoiar para retirá-la sem que ela sentisse meu toque (e ai,  quem sabe, a vontade de permanecer), sem que houvesse alguma possibilidade além de ir. Se cê tem que, vai! Descascar a alma.  Ir tem a beleza dos pássaros fazendo seus ninhos em tudo que denominam velhos. Os caminhos, para os quais seguirá, possuirão as curvas das rugas dos ovos. E não haverá julgamento sobre o impulso de minhas mãos limpas escorrendo ácido de fruta doce. Ira,lém. Vaga-lumes se instalavam ali, naquela vida dura. Eu não consigo, então, ter a certeza de que você existe. Eu me confundo na sua instabilidade. Você realmente brilha ou é alucinação? Eu criei sua luz para me proteger do escuro? Ou você sempre esteve acesa, mas meus olhos opacos piscam vivos. Isso torna tudo mais bonito, tudo mais Nada, mais nitidamente translúcido. E difícil.  E podemos, portanto, dançar voluptuosos sem ninguém notar. Eu nunca só olhei por tanto. Pode mostrar seu pé esquisito, seus dedos fáceis com formatos de vasos de flores, pode pisar no prego enferrujado plantado por minha incompreensão, pode deixar rastros bonitos e abstratos e livres e  vermelhos no chão de mim.  Perdemos, porpouco, a vontade de ficar. Não posso ser árvore. Nós podamos os apoios. Minha pele está descascando. Nos ombros, nas costas, na face, no peito, nós. Eu inteira sou desintegração. Mas não tronco. Completam-se sete dias. Eu a puxei. E tudo foi ficando mais vivo, puxando puxando puxando, fincando mais a leveza, a carne viva. Menos cutículas, minhas digitais sentindo o peso da transparência morta. Assoprei aquela pele estática, com a textura de uma asa de inseto, queimada pelo sol e solidão, e ela se foi com o vento e o tempo que a habitava. Nas suas reentrâncias, moravam segundos secretos, entre suas células, momentos torcidos, lágrimas secas, vento guardando cípselas,  o toque de mantas, mãos, matas, mares e mães e manhãs úmidas. vermelho marinho, azul tinto, para mergulhar a carne viva e crua na água salgada (ah, a dor refrescante do infinito), nadar no por do sol vindo com suas laranjas maduras para o café da manhã...

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

eu lhe desejo liberdade. Pega ela e se vira! se amassa, se desdobra, se sente, se arrepia, se deseja, se doa, se desata, se seja, sê asa e se vá pronde quiser. e permaneça em si.

davi uns fodido amado

Davi fumava uns. Não abria as janelas enferrujadas do quarto no domingo, respirava o cheiro de bebida e cigarro impregnado nas partículas de oxigênio e pó, o mesmo da roupa, geralmente preta, a qual só tirava no dia seguinte, quando tomava banho, pra ir à rua novamente, e comia o resto dos almoços da semana numa louça suja e coca cola no copo de tomate trincado e com o resto da cerveja quente que não quis beber. Partiu pra vodka no gargalo, como um bom ninguém. Shampoo não usava, sabonete basta, não vem me dizer que não, caralho. Achava até bom essa coisa de carne dura meio verde, orelha gelada do frio, se enxugar com a toalha úmida de ontem, ou não, tanto faz, não era dessas coisas, não era um desses que achava ou sentia alguma coisa dizível ou entendível ou que faça a diferença na vida de alguém, de coisas. Davi jogava o cigarro na caneleta da rua. A rua, com ressaca da chuva nossa de cada diamém, levava a bituca pro boeiro, que fedia. Mas, e daí? Fedia, diziam as meninas que se sentavam ao meio fio pra esperar, pra conversar sobre a última transa, sobre a merda que é estar naquela porra de família egoísta, pra beijar os meninos ou quem vier sentar ao lado, ou puxar pela mão, puxar pelos cabelos também, não tá fácil, pra esperar, sei lá o quê. Mas pra esperar. Eu tô indo indo embora, Leila, tô indo. Um relógio fodido, com uma pulseira de couro gasta e fodida, Davi fodido tictaqueava, olhava vitrines fodidas, quase nenhuma, ignorava os olhares das donzelas mal comidas, e andava nem aí, nem aí ó, com sua bota com meia furada e seu bom, apesar de antigo e desbotado, jeans. geaaanz sujo de porra sei lá de quando. Mas bom mesmo é esmagar o cigarro acesso findando no pulso ou na toalha de mesa, ou no farelo de pão em cima da toalha, ou no cinzeiro de madeira herdado do tio de longe da puta que pariu, ou jogá-lo no resto de cerveja quente que ninguém quer tomar. Davi já tomou com cigarro e tudo. No cú, já tomou no cú! Pra esperar. A bota, o dedo fora da meia, pisava numa lajota solta da calçada. aquela água porca sujava sua calça. que moderno, ein. Modernidade, palavra colorida, exata, dúbia, tecnológica, velha. ein? surda, velha surda, pode morrer, tô indo embora, cansei dos teus gemidos, tuas dores tão pontuais, teus roncos, teu sono pesado e fedido e esse cheiro de sebo, teu passo lerdo sobre esse chão de madeira e essas tábuas velhas rangendo, vai te foder e depilar esse bigode branco e nojento. não aguento mais ver esse peito caído nesse sutiã mole, esse varal balançado essas roupas largas verde musgo, bordo, marrom nesse jardim pra mato e anão de gesso e grama fina. Benzinho, Davi, do hebraico, significa O Amado. "Muito atencioso, e apegado à família possui um senso maternal muito forte, é o tipo de pessoa que gosta de se sentir útil e necessário, com isso chega a assumir mais responsabilidades do que realmente pode suportar. Não costuma voltar atrás em suas palavras. Muito ocupado, raramente se permite algumas horas livres para o lazer. Mas deve tomar cuidado em não se tornar dependente ou infantil ao extremo, para isso não deve se pendurar nos outros." (fonte: Google) Sentido nenhum. Davi deveria ser chamado de Fodido, palavra mais sem significado. se é que existe algo além da ausência. Cuidado Davi, deve tomar cuidado. Esse trânsito é muito perigoso para pedestres com ray bans escondendo olheiras e lábios ostentando cigarros, bolsos guardando masso deles amassados e uma nota de vinte meio mole e velha um pouco rasgada e amassada, que que tem a ver, para qualquer um que quer se sentir ameaçado por qualquer coisa. Ele atravessava a rua fora da faixa, excitante. que babaquice, fodido. lendo um livro num banco de cimento. onde eu jogo essa bituca. lá em casa tem um poço, mas a água é muito limpa.